Um carro com um corpo preso ao para-brisas entra na contramão de um retorno da rodovia Régis Bittencourt, que liga Pinhais a Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba.
“Foi quando o pessoal começou a gritar que o motorista estava fugindo. E eu não entendi. Quando eu descobri a curva, que eu peguei a lateral do carro dele, realmente foi uma cena que chocou bastante”, lembra o motociclista Airton Mendes dos Santos Junior.
Airton é o motociclista que aparece nas imagens da câmera da prefeitura de Pinhais, no Paraná. “Eu pensei: ‘o rapaz está vivo, com certeza o motorista vai matar o rapaz’”, conta.
Ele atravessou a moto na frente do carro e conseguiu fazer o motorista parar. Mas o homem atropelado, Marco Aurélio Sadlovski, já estava morto.
As lembranças do filho trazem tristeza aos olhos do Seu Ricardo. Há pouco mais de uma semana, Marco Aurélio, que também era pedreiro, ajudava na construção da casa dos pais. “Nós trabalhamos aqui até umas 19h. Terminou ali, tomou um banho, coisa que ele nunca faria - ia embora meio rápido. Jantou, sentamos, conversamos à vontade”, lembra o pai.
“Ele não estava com pressa de ir embora naquele dia. Não sei o que ele tinha, falei: ‘não está com pressa de ir embora?’”, diz a mãe, Teresa Sadlovski.
Marco pegou a bicicleta. A poucos quilômetros dali, pelo acostamento da estrada, ficava a entrada de casa. Mas ele não chegou ao destino. O motorista o atingiu por trás.
As câmeras da rodovia não registraram o momento exato da batida. O motorista teria carregado o corpo do ciclista preso ao para-brisa por cerca de seis quilômetros até ser impedido de continuar.
Foi em um trevo, que se cruzaram as histórias de Marco Aurélio e Airton. Airton é motorista de ônibus. Voltava da garagem em que trabalha e ia para Quatro Barras, onde mora com a mulher e a filhinha de 3 anos.
Nas imagens que você vê no vídeo acima, dá para ver o momento em que ele consegue parar o motorista.
“Eu desci da moto e falei para ele: ‘para, para, rapaz. Para que é melhor, vamos resolver aqui essa situação’”, lembra.
Outros motoristas desceram dos carros e cercaram o atropelador. “Ele estava completamente louco. Ele empurrava a cabeça do rapaz para fora, para tentar se livrar do corpo. Foi uma cena que revoltou a população”, diz Airton.
O motorista cambaleia até a viatura da guarda municipal. Estava bêbado. O policial rodoviário Fernando Oliveira se surpreendeu ao ver a medição do bafômetro. “Poucas vezes, tinha visto chegar a 1 mg, 2 mg, então, foi a primeira vez”, afirma.
Dois miligramas de álcool por litro de ar é o limite do aparelho, equivale à ingestão de um litro de uma bebida destilada, como cachaça.
“A única preocupação nas palavras dele era quais foram os estragos do carro dele. Em nenhum momento, ele demonstrou que havia atropelado, matado uma pessoa, e percorrido mais de seis quilômetros com o corpo dessa pessoa no para-brisa”, diz Fernando Oliveira.
José Adir Simioni, o motorista, de 58 anos, está preso em uma delegacia da Região Metropolitana de Curitiba, e se recusa a dar entrevistas.
“O atropelador afirma, na sua declaração, que havia ido na casa do seu filho e, no retorno, passou em um bar e teria ingerido uma lata de cerveja. Eu o indiciei por homicídio pela embriaguez ao volante”, declara Iacri Abarca, delegado de polícia.
“Eu exijo justiça. Que ele fique preso e que não saia da cadeia”, diz Júnia, mulher de Marco Aurélio.
A vida de Júnia, a viúva, mudou de um dia para o outro. Ela e os dois filhos empacotaram tudo com a ajuda da sobrinha. Não podem mais pagar pela casa.
“Quem pagava o aluguel era ele, a maioria das contas altas era tudo ele. Agora eu, sozinha, fiquei sem rumo mesmo”, conta a viúva.
E os rumos do caso, quem vai decidir é a Justiça. Para Maurício Januzzi, advogado especialista em trânsito, o caso é homicídio doloso, em que se assume o risco de matar, com pena que varia de seis a vinte anos: “A pessoa que se embriaga nessa quantidade assume o risco de matar”.
Mas se a Justiça entender como culposo, não intencional, a pena máxima é de quatro anos, que podem ser em regime aberto, ou seja, fora da prisão.
Para punir com mais rigor quem mata no volante, o advogado defende a criação de um novo tipo de crime: “O homicídio culposo de trânsito, que é quando a pessoa mata embriagada. Que tem uma pena de cinco a oito anos. Porque se ele for apenado no mínimo, pelo menos um ano ele permanecerá preso”, defende Januzzi.
Seu Ricardo quer justiça pela morte do filho: “Eu não tenho ódio daquele homem, eu não tenho ódio no meu coração. E eu ainda digo uma coisa: aquele motoqueiro foi um herói.
Porque poucas pessoas enfrentam as coisas por causa dos outros, muito poucas. Isso é raro”.
Para ir ao trabalho, Airton é obrigado a passar todos os dias por aquele caminho. E não vai esquecer nunca do que viu naquele dia. “Uma coisa que vai ficar guardado para sempre. Não é fácil apagar”.
Ele diz que não se acha um herói. “Eu sou uma pessoa que tentou fazer o bem. Eu tentei, de todas as formas, dar uma chance de vida para aquele rapaz. Como cidadão, a gente tem que ser humano e tem que tentar fazer alguma coisa para ajudar”, afirma.
Fonte: Com informações do G1