Recuperado fisicamente e liberado pelos médicos para voltar ao trabalho após problemas de saúde terem causado sua demissão do São Paulo em abril deste ano, o técnico Muricy Ramalho fez o que os dirigentes do futebol brasileiro não fizeram depois da Copa do Mundo de 2014: parar para pensar. O Mundial passou, as lições não foram aprendidas por quem está no comando e os escândalos evidenciam que o Brasil não andou para frente.
Muricy demonstra pessimismo com o atual modelo de gestão do futebol brasileiro. "Infelizmente, as discussões só ficam nos programas de rádio e TV. Eles (dirigentes) não estão preocupados com o torcedor. Estou cansado de pessoas que não são do futebol e não sabem nada. Tenho conversado com os torcedores nas ruas e somos cobrados, mas os dirigentes que estão no futebol não estão nem aí", alertou o treinador.
Confira os trechos da entrevista ao programa de rádio Bradesco Esporte Clube, do Rio de Janeiro:
Momento do futebol brasileiro
"Estou assustado com as pessoas se afastando dos jogos. Os públicos são pequenos e as pessoas estão brincando com o futebol, o que tira o torcedor do estádio. O futebol está parecido com o País. Tem muita gente que não é do futebol e está no futebol. Tivemos um problema sério no Mundial e nada aconteceu, seguiram o barco. Não vejo ninguém tentando mudar este panorama".
Brasil x Europa
"As pessoas discutem muito o futebol brasileiro e sempre comparam com a Europa, que está à frente de nós. A diferença que vejo é na organização fora de campo, com pessoas com capacidade para passar alguma coisa para o jogador. Ele se sente mais profissional porque lá tem gestão. O jogador é pago para isso, e aqui somos amadores. Os dirigentes tratam jogador como ídolo e não cumprem com as suas obrigações. Não podemos ficar discutindo só a parte técnica. Sei como é lá fora. Temos grandes profissionais aqui, mas os dirigentes fora são profissionais. Aqui, eles falam para o jogador jogar bem para depois vender".
Pós-Copa
"O foco mesmo está escondido. Tínhamos que ter cancelado os amistosos depois da Copa e conversar com todos os segmentos, dirigentes, pessoas do futebol, marketing... mas isso não interessa, porque vão aparecer pessoas corretas que vão cobrar. Enquanto não colocar pessoas corretas e em condições, o futebol brasileiro não vai mudar. Vamos ficar nessa conversinha mole e não saímos do lugar, juntando pessoas".
Prisão de Marin
"Se temos um ex-presidente na situação que está, e não desejo isso para ninguém, chegou a hora de parar. Tem que acabar com este negócio de jeitinho e colocar pessoas do futebol. Estamos só falando de negócio. O torcedor está se afastando. A CBF está cada vez mais rica e os clubes quebrados".
Convite para a Seleção
"Tive convites de times grandes, mas quero viver um pouco a vida com a minha família. É difícil falar em relação à Seleção, porque tem um treinador lá e que foi escolhido. Acho que o Dunga tem que se aproximar mais das pessoas interessadas no futebol. Tenho minha vida definida e isso seria bom. Vou estudar um pouco até o fim do ano. Futebol brasileiro é imprevisível, e a cada dia tem uma notícia que você não acredita que aconteceu. Tenho prazer em ser chamado sem ter interesse. Meu único interesse é em ajudar o futebol brasileiro".
"Falei com o Gilmar (Rinaldi, diretor de Seleções) para ele tentar fazer um curso profissional entre 1 e 2 anos, com intercâmbio, fazendo uma escola de treinadores, sem este modelo atual, que é muito rápido. Tenho algumas ideias para melhorar, mas não tenho pretensão de voltar para a Seleção Brasileira".
Conselho de ex-técnicos da Seleção organizado pela CBF
"Esta coisa que estão fazendo é para dar satisfação mesmo, mas devia parar tudo, sem essa de só ex-técnicos da Seleção Brasileira. Tinha que chamar pessoas acima de média como pessoas e do futebol. Precisamos de gente correta, e isso está faltando. Tem muita gente boa no futebol, como Zico, que foi um grande jogador e ídolo, um cara acima da média, Raí e Júnior".
"Estamos sendo representados por pessoas que não são do futebol. Jogador, com 15 anos, está indo embora. Esta lei (Lei Pelé) pune os clubes formadores. Antigamente, você tinha mais opções para praticar o futebol, como nas escolas. Disputei campeonatos de escolas, e tem que ter mais centros de treinamentos com ex-jogadores. Dá para fazer coisas mais simples para mudar o futebol".
Futebol x negócio
"Torcedor muda de esposa, de amigo, de emprego, mas não de time. Hoje, as pessoas que estão no futebol não se importam com o torcedor. O ritmo de negócio está muito louco, da base até em cima. A única preocupação é a parte financeiram, e é de se preocupar mesmo. Temos que colocar pessoas para dirigir que são do futebol, corretas. Já era assim na política, mas agora está no futebol, com cada um se preocupando apenas com si mesmo".
Fluminense
"Deixei muitos amigos no Fluminense , como roupeiros e dirigentes. Quando disse não para a Seleção Brasileira, fui muito correto, e começamos a ganhar o Campeonato Brasileiro (de 2010) ali. Só que depois mexeram com assessor de imprensa, dirigente e pessoas do seu dia a dia. Me apego muito às pessoas. Não sou de levar gente comigo, além do Tata (assistente técnico)".
"Não mexi com ninguém que estava lá, mas depois começaram a mexer. Foi assim com o Alexandre, assessor de imprensa, que é um cara sensacional; o Alcides (Antunes), que era dirigente. Falei não para a Seleção Brasileira e falei não para estas mudanças. Tenho um carinho enorme pelo clube. Falaram muita coisa depois da minha saída do Fluminense , mas conquistei o título brasileiro, e isso não esqueço".
Saúde
"Estou com a saúde ótima, mas vou tirar este ano para descansar. O pensamento é ficar o fim do ano descansando, mesmo com o futebol estando no sangue. Recebi alguns convites, mas disse não, para observar bastante e curtir a família".
Sem papas na língua
"Não participo de programa para ser demagogo, não dou tapinha nas costas. Se tiver que chamar o dirigente para falar, falo mesmo. Não se deve ficar achando palavras para agradar este ou aquele dirigente. Somos muito desunidos e cada um quer a sua parte. Eles estão acabando com o futebol brasileiro, que é o esporte mais importante do país e faz parte da cultura do nosso país. Tem que parar e conversar, não está conversinha que estão fazendo. Tem que chamar mais treinadores, preparadores físicos, pessoal do marketing e da imprensa. E tem que tomar decisão".
Volta ao futebol
"Tenho algumas propostas para fora, tem menos estresse, mas não me convence mais sair. Quero ficar no meu país e tentar melhorar as coisas no futebol e acho que é muito difícil sair daqui".
Fonte: Terra