"Eu não vou ser coadjuvante", garantiu Bebeto ao ser questionado sobre seu papel no Comitê Organizador Local da Copa de 2014. Durante visita à redação do GLOBOESPORTE.COM, o tetracampeão, de 48 anos, deixou claro que não gosta ter seu trabalho considerado secundário no COL e, muito menos, nas conquistas da carreira como jogador. Ele põe Pelé acima de todos, mas não se vê abaixo de alguns dos maiores nomes de sua geração, como Romário e Ronaldo.
Enquanto falava do futuro de seu filho Matheus, que joga nas divisões de base do Flamengo, o ex-atacante resolveu fazer um desabafo. Palavras que pareciam estar guardadas no fundo do peito há bastante tempo:
- Rapaz, vou abrir meu coração aqui. Ninguém jogou mais bola do que eu, não. Cito aí: Romário, Ronaldo... Eu não tive essa coisa de assessoria de imprensa, marketing. Eu fui sempre um cara reservado, essa é a palavra. Eu falo de coração. Minha vida toda foi jogando bola. Esses caras jogavam pra caramba, sou fã, mas a inteligência, visão de jogo da precisão no passe... Chute de voleio então...
Simpático e solícito às perguntas, Bebeto percebeu o "peso" da declaração. Após o gravador ser desligado, o tetracampeão mostrou-se preocupado em ser mal-interpretado explicou melhor o que quis dizer. O baiano garante que não se acha o maior jogador da história, mas também não considera que ficou atrás de outros craques famosos de sua geração.
- Eu joguei tanto quanto esses caras. Isso que eu quis dizer.
Ao falar da Seleção atual e da preparação do time para 2014, Bebeto revelou que conversou com Mano Menezes sobre a convocação de Kaká e que ouviu uma resposta positiva do treinador em aproveitar o craque do Real Madrid em breve.
- Ele disse que está olhando, que é um jogador que ele já conhece, sabe da história e importância para a Seleção.
Confira a entrevista completa:
Neste domingo tem Flamengo x Vasco. Arrisca algum favorito?
Clássico é sempre muito complicado e imprevisível. Ainda mais quando se trata de um dos maiores do Brasil, como Flamengo x Vasco numa semifinal de Taça Rio. O Vasco vive um melhor momento, me parece mais embalado, principalmente pela boa campanha na Libertadores. Por outro lado, são nessas horas de dificuldade, quando está sendo mais criticado, que o Flamengo cresce(veja o vídeo com dois de Bebeto contra o Fla na primeira fase do Brasileiro de 1992).
Vai torcer por quem?
A certeza que eu tenho é de que será mais um grande jogo. Tenho um carinho grande pelo Vasco, foi um clube que me acolheu de uma maneira fantástica. Mas fui criado no Flamengo, conheci minha mulher na Gávea, meu filho Matheus joga lá e não dá para ter uma torcida diferente (veja ao lado o vídeo do gol de Bebeto pelo Fla contra o Inter na decisão da Copa União de 1987).
Se Matheus recebesse uma proposta do Vasco, você deixaria ele fazer a troca?
Caramba, rapaz... (pensativo) Todo mundo sabe que saí do Flamengo, mas tenho um carinho grande. Haja coração. Ser pai é pior. Depois dos jogos eu sempre converso com ele. Vai ter tudo aquilo que eu não tive. Falo sempre para Matheus... Venho de uma família com 10 irmãos. Era muito sofrimento, meu irmão. Ele é bem resolvido quanto a isso, nem gosta de dizer que é meu filho. (Bebeto para, pensa um pouco, e continua) Rapaz, vou abrir meu coração aqui. Ninguém jogou mais bola do que eu, não. Cito aí: Romário, Ronaldo... Eu não tive essa coisa de assessoria de imprensa, marketing. Eu fui sempre um cara reservado, essa é a palavra. Eu falo de coração. Minha vida toda foi jogando bola. Esses caras jogavam pra caramba, sou fã, mas a inteligência, visão de jogo da precisão no passe. Voleio então... O Zico foi o cara em que eu sempre me espelhei. Quando jogava, eu ficava olhando e segui as orientações dele. Para minha felicidade, fui recebido pelo meu ídolo no Flamengo. Agradeço muito a Deus por ter tido Zico do meu lado, Adílio, Mozer...(veja acima o vídeo com o gol de Bebeto contra a Holanda na Copa de 1994, com comemoração em homenagem a Matheus)
Sua filha Stephannie virou modelo. Dá mais trabalho?
Rapaz... Me dá muito mais preocupação (risos). A minha filha está bem encaminhada. Com educação é fácil. Minha mulher (Denise) é fantástica. Você sabe que vida de jogador de futebol é muito corrida. Se você não tiver uma pessoa boa ao seu lado, uma grande mulher... Ela sempre foi sensacional.
Quando você recebeu o convite do Ricardo Teixeira, já havia rumores que ele deixaria o COL e a CBF. Vocês realmente não falaram sobre isso na reunião?
Recebi o convite do Ricardo Teixeira no dia do meu aniversário (16/02). Ele vinha conversando comigo e eu já vinha como relator da Alerj de uma comissão voltada para o esporte. Ele me deu toda liberdade de ajudar. Tenho três Copas do Mundo, duas Olimpíadas. A gente está acompanhando as obras, fazendo essa intermediação entre Fifa e governo. Vou estar sempre visitando as obras. Logo depois, ele saiu. Pegou todo mundo de surpresa. A gente estava conversando, eu, ele e Ronaldo lembrando de Copa do Mundo. Nem perguntamos sobre isso (saída). Uma semana depois ele saiu. Não podemos esquecer que ele nos deu duas Copas do Mundo. Vai continuar a mesma coisa. O José Maria Marin é um cara que já tem uma experiência grande.
Você tem visitado algumas obras de estádio, está vendo de perto os trabalhos. O que está achando?
Estou sempre falando com os operários. O Brasil é o quarto país em acidente de trabalho. É uma vergonha. Por isso, sempre falo com eles. É importante usar os equipamentos de segurança. Também falo do orgulho de ver o estádio construído. Eu não tive essa oportunidade de jogar uma Copa do Mundo no meu país. Então é importante. Vamos nos proteger. Conto minha história com o Zico no Flamengo. Quando cheguei à Gávea, eu não tinha preocupação em usar caneleira. Ele me olhou e perguntou onde estava a caneleira. Eu disse que não usava. Ele pediu para eu colocar e voltar para o treino. Aquilo foi muito importante para mim.
Há quem considere você e Ronaldo apenas como “escudo” do COL. Isso te incomoda?
A gente fica triste (com as críticas da imprensa). No final, eles vão ver o trabalho que nós estamos fazendo. É desgastante, mas você se sente bem. Converso muito com o Ronaldo. O Marin nos deixou bem à vontade para tomar as decisões. Temos o Ricardo Trade (diretor executivo de operações), a Joana Havelange (secretária-geral), o Rodrigo Paiva (diretor de comunicação), eu e Ronaldo. Cada um dá sua opinião. Por exemplo, a questão dos gramados. Na minha época era uma vergonha. O Maracanã.... Quem não queria jogar no Maracanã? Mas o gramado era horrível. No final de carreira, já estava melhor. O Morumbi era horrível, mas melhorou muito. O melhor sempre foi o Beira-Rio. No fim da minha carreira, o do Grêmio já estava um tapete. Na Copa do Mundo tudo será feito em função do clima. Terá também a drenagem a vácuo. Usaremos algumas coberturas. Vai ser legal colocar a mesma grama, pois a bola vai correr igual em vários estádios. Você não sente muito e já vai sabendo como será o gramado. Na Europa era assim, eu batia na bola sem olhar. Já sabia como ela vinha.
A reforma do Maracanã não pode descaracterizar o estádio?
Tinha que mudar mesmo. Estava precisando. Tinha uma preocupação com o entorno do Maracanã. Vai ficar uma coisa linda. As obras dos estádios estão nos cronogramas. Acredito muito que vai dar. Sempre penso positivo.
O que você acha da postura do Romário sobre a Copa?
Na hora que a gente precisar, ele vai ajudar. Tenho certeza. Baixinho é meu amigo. A relação é a mesma. Não vai mudar nunca. É o papel dele como deputado federal, tem que cobrar mesmo. Ele tem a opinião dele, mas a minha é diferente.
Algum estádio vai virar “elefante branco”?
Não vai ter elefante branco. Nada. Em Natal, por exemplo, vai ser uma Arena Multiuso. O Nordeste todo adora futebol.
Qual é a maior pressão: conquistar a Copa como jogador ou trabalhar para organizar a Copa no Brasil?
O Brasil não conquistava um título há 24 anos. Aquele Mundial mexeu muito com a gente. Lembro-me que tínhamos perdido o Ayrton Senna. Eu estava em La Coruña vendo aquele acidente... Aí eu falei “Agora mais do que nunca tenho que dar alegrias para esse povo”. Você sabe que existem várias vaidades em um grupo, mas o grupo se fechou. Era uma família. Você ficar um mês com um cara... tem que abdicar de muita coisa. Quando a gente conquistou em 1994, eu me lembrei muito do Ayrton. Sai com uma bandeira dele em campo. Falamos isso naquela reunião dentro de campo. Não medi esforços para que o Brasil conquistasse o Mundial. Meu filho estava nascendo, cara... Filho é bênção de Deus e você passa a viver em função do seu filho. Faria tudo de novo para conquistar aquele título e dar alegria ao povo.
O que te motivou a entrar para o COL?
O legado que nós vamos deixar para o povo. Não só o material. Joguei lá fora e os caras só falam de coisas ruins. Eles ficam doidos, mas eu digo que não é isso. Acabei de dar uma entrevista para uma rádio da Espanha e eles já mudaram. Dizem que o país está mudando, a segurança... Essa coisa da educação e da cultura é muito importante. Lá na Europa, todo mundo tem seu lugar marcado nos estádios. Vamos qualificar esse pessoal para atender grandes eventos e mostrar que podemos realizar. Eu não vou ser coadjuvante.
Como você recebeu o “chute no traseiro” do Valcke?
Tranquilo. O trabalho continua. Não podemos parar, pois o trabalho cada vez aumenta mais. Não podemos (COL) ficar preocupados com essas coisinhas. Eu acho que nós fizemos tudo e temos que agradecer muito ao Lula, pois lutou para trazer a Copa do Mundo. Temos que nos unir, o Valcke, o Blatter, nossa presidente... Pensando sempre em realizar uma excelente Copa. Pode ter sido interpretado de uma outra maneira, pode ter falando em outra língua. Estamos sempre passando um relatório para a Fifa. Os cronogramas estão corretos e tenho certeza que vamos realizar uma bela Copa.
O atraso na aprovação da Lei Geral o preocupa?
Nós estamos fechados. Acho que já poderia (ser aprovada). É um compromisso. Já foi tudo combinado antes. O combinado não sai caro, não é isso? O negócio das bebidas. Eu não bebo, não fumo, mas se o Lula fez um compromisso com a Fifa... Em todas as Copas acontece isso. O Governador do Rio, Sergio Cabral, já tinha combinado também. É estar todo mundo muito unido, caminhando junto. Por exemplo, estive com alguns governadores e todo mundo em busca de realizar um grande Mundial. Até no Espírito Santo, que não vai receber jogos, o pessoal está motivado. Eles sabem da importância de um Mundial. A Fifa tem uma logística que banca tudo. É um negócio bem arrumadinho.
Andrés Sanches disse que o trabalho de Mano Menezes não está agradando. Mano também reconheceu isso. Para você, ele está devendo ainda?
Rapaz, outro dia estava conversando com o Andrés e até com o Mano. Essa renovação é difícil mesmo. Qualquer um teria essa dificuldade. Há jogadores que já chegaram a uma certa idade e que em 2014 não terão condições de jogar. O bom do Brasil é que sempre surge um jogador novo. Você acha que não vai pintar ninguém até 2014? Vai surgir muita gente ainda, rapaz. O Mano... é um trabalho de paciência. Falei com ele. Ser treinador da Seleção é pior que presidente da República. Tem que colocar todo mundo para jogar.
Dos jogadores mais novos, quem você destaca?
Ganso é muito inteligente, cara. Ele tem uma visão de jogo. O Neymar também é maravilhoso. O Lucas também já é uma realidade....
Não há espaço para os “medalhões”? Kaká, Ronaldinho, Adriano...
Kaká tem que estar (na Seleção). Falei até com o Mano Menezes sobre ele. Ele disse que está olhando, que é um jogador que ele já conhece, sabe da história e importância para a Seleção. Você tem que mesclar a experiência com juventude.
A defesa está bem servida, não?
Tem de sobra. Posso citar agora. Goleiros: Jefferson, Julio Cesar, Victor. Laterais: Daniel Alves, Maicon, Marcelo, Adriano. Zagueiros: Thiago Silva, David Luiz, Dedé. A defesa já está boa.
Ainda acredita no Adriano?
Fico até preocupado. É um cara que esta desperdiçando o talento. Para mim, tinha que estar aí na Seleção Brasileira. Mas tem que querer. Potencial, ele tem pra caramba. Chuta bem, cabeceia bem, tem estrela, a bola procura.
E o Ronaldinho Gaúcho? Você o vê em 2014?
É uma qualidade impressionante. Vou torcer muito para que ele queira. Você precisa ter motivação e espero que ele possa buscar isso. O jogo contra o Santos, por exemplo, foi maravilhoso. Torço muito por aquele moleque.
Você acha que o Messi pode virar o melhor da história?
Maior de todos os tempos? Para com isso! É um grande jogador e não tem negócio de gracinha com ele. É só no balanço do corpo e sempre buscando o gol. É um cara objetivo, mas para ser o melhor de todos os tempos... O negão (Pelé), acho que não tem igual. Ele precisa fazer na seleção argentina o que faz no Barcelona. Não fez gol no Mundial de 2010.
Fonte: Globoesporte.com