Estudo de pesquisadores da Universidade da Califórnia em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que uma nova combinação de drogas reduz o risco de uma mãe soropositiva transmitir o vírus para seu bebê. O resultado modifica o padrão mundial de tratamento para prevenção da chamada transmissão vertical do HIV, segundo a Fiocruz.
A pesquisa foi realizada com 1.684 crianças tratadas em 17 hospitais da África do Sul, da Argentina, dos Estados Unidos e do Brasil. É aplicável apenas nos casos de bebês considerados de alto risco, quando as mães não receberam o coquetel antiaids durante a gravidez. Com a primeira dose aplicada à criança em até 48 horas após o parto, o resultado é duas vezes mais eficaz que a terapia até então usual, com o antirretroviral AZT.
Das crianças que participaram do estudo, 70% eram vinculadas a instituições brasileiras. A responsável pela coordenação no Brasil foi a infectologista e diretora do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), Valdilea Veloso.
Ela disse que o trabalho foi planejado com base em uma necessidade da população brasileira. "O foco era a população mais vulnerável, com menos acesso ao sistema de saúde." Valdilea lembrou que o risco de um bebê se infectar quando a mãe recebe corretamente o tratamento antirretroviral durante a gestação é mínima (menos de 1%).
Nesses casos, portanto, não há necessidade de combinação de drogas. O problema é quando se descobre que a mãe é portadora do vírus já perto do parto, sem um planejamento precoce.
Risco. Segundo Karin Nielsen-Saines, coordenadora-geral do estudo, crianças nascidas de mães que não receberam terapias antirretrovirais têm 25% de risco de serem infectadas durante a gravidez ou o parto. Essa possibilidade aumenta para cerca de 40% quando os bebês são amamentados.
A orientação considerada mais eficaz de prevenção da transmissão para recém-nascidos até a conclusão do estudo era usar o antirretroviral zidovudina (AZT). No entanto, os resultados mostraram que combinações de dois ou três antirretrovirais (nevirapina, nelfinavir e lamivudina) são duas vezes mais eficazes para o corte da transmissão do HIV.
Valdilea disse que houve uma preocupação para que o tratamento fosse simples e rápido. Em um dos casos analisados, são necessárias apenas três doses. "O custo (adicional) é desprezível quando se pensa na proteção da criança."
Para o estudo, foram selecionados recém-nascidos de mães soropositivas que descobriram ter a doença pouco antes do parto e, por isso, não foram tratadas com AZT durante a gestação. As crianças foram separadas em três grupos e receberam diferentes combinações dos medicamentos: o primeiro grupo, com 566 crianças, somente AZT; o segundo, com 562, AZT e nevirapina; e o terceiro, com 556, AZT, nelfinavir e lamivudina.
Redução. A primeira dose foi ministrada nas 48 horas iniciais de vida do bebê, com continuidade do tratamento por seis semanas. Do total de crianças participantes, 140 foram infectadas antes da administração dos antirretrovirais: em 97, a transmissão ocorreu durante a gestação e, em 43, no parto.
Após três meses de acompanhamento, a transmissão ocorreu em 4,8% dos bebês que receberam somente AZT, mas apenas em 2,2% entre os que receberam AZT e nevirapina, e em 2,4% dos que tomaram AZT, nelfinavir e lamivudina.
A terapia com duas drogas, aplicada ao segundo grupo, foi menos tóxica quando comparada com a de três antirretrovirais.
O projeto foi iniciado há dez anos e está em sua primeira fase. "Nosso ensaio clínico resulta do grau mais forte de evidência científica", disse Valdilea. O estudo foi publicado na revista científica americana The New England Journal of Medicine.
Fonte: Estadão