Deixar de ser jogador profissional para depois virar técnico parece uma transição natural para quem respira o futebol desde as categorias de base. Mas essa mudança de vida também pode ser um grande alívio e representar o fim de um período de infelicidade quando este ex-jogador em questão sempre foi alguém muito preocupado com as questões profissionais do esportista.
Fernando Diniz foi revelado pelo Juventus e passou por grandes clubes do futebol brasileiro, como Palmeiras, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Cruzeiro e Santos. Se aposentou em 2008, então com 33 anos.
O atleta estava cansado de conviver em um meio em que sua classe não era tratada com o devido respeito. Na contramão do discurso da maioria dos ex-jogadores, não conta com tanta empolgação o fato de ter sido ex-jogador.
"Eu sofria muito quando era jogador. Não fui um cara que teve felicidade de ser jogador. Era uma coisa que era pra eu adorar, mas esse ambiente profissional de alto nível me trazia muita angústia e sofrimento", conta Diniz.
Os motivos das sensações descritas são pelo fato de o futebol não ter, segundo Diniz, um bom direcionamento para uma das questões que ele sempre se preocupou muito desde jovem. Compreender e se preocupar com o lado humano das pessoas e propiciar um ambiente de trabalho e convivência menos frios. "Minha vocação sempre foi na área humana. Queria fazer psicologia, filosofia ou sociologia" , contou.
Segundo Diniz, o ambiente do futebol profissional trata os jogadores como máquina e ignora seus sentimentos. E não colabora para que eles se desenvolvam politicamente e culturalmente. Ignora esse lado e o que eles pensam.
"Geralmente o jogador, quando é criança, vem de uma família desestruturada. Muitos jogadores saem com 12, 13, 14 anos de condições adversas. Tudo isso faz com que ele não tenha poder de se articular, por exemplo. E o futebol e os clubes não levam isso em consideração. O jogador é tratado como objeto", falou.
"E talvez isso fosse uma das minhas frustrações. Querem que você seja uma máquina. Ninguém sabe o que você acha, porque acha, porque você sofre, e o que pode ser feito para melhorar sua situação. O futebol não é um meio que favorece a humanização das pessoas. Tem que se mexer em um núcleo social, o jogador não é uma máquina feita para só ganhar e dinheiro", contiuou.
O ex-jogador entende que sem o preparo psicológico necessário e suporte no lado humano, o jogador fica completamente exposto a alguns males que atrapalharam a carreira. Diz que poucos dirigentes e técnicos se preocupam com isso e que alguns fazem vista grossa para fatos que corroem um ambiente.
"Eu nunca vi muita preocupação das partes que lideram o futebol para atender a demanda dos jogadores como pessoas. As demandas ficam sem ser levadas em conta", falou. "Alguns treinadores permitiam certas coisas de sacanagem e comportamento com falta de compromisso de respeito um com o outro e que a vaidade tomasse conta do ambiente. E quem não compactua com isso acaba sendo excluído", continuou.
Passada a fase de frustração com o futebol, usou o tempo livre para estudar algo que sempre gostou, a psicologia. Se forma no final desse ano e sua monografia tem como tema "a importância do técnico de futebol".
Paralelamente aos estudos, ingressou na carreira de técnico. Começou no Votoraty em 2009 e já passou por Paulista, Botafogo de Ribeirão Preto e Atlético de Sorocaba. Ganhou a Copa Paulista de Futebol pelo Votoraty, em 2009, e pelo time de Jundiai, em 2010.
Resolveu colocar em pratica como técnico as ações que tanto criticou por não ver na maioria dos comandantes e dirigentes nos tempos que jogava. "Procuro ter esse lado humano e ambiente favorável como a base do meu trabalho. Não tenho modelo prático de jogo, todos tem que jogar, participar. Meu foco é tirar o melhor do cara. Me dá prazer e satisfação tirar o melhor do cara. Meu foco é no jogador", falou.
"Toda a frustação que tinha como jogador agora virou satisfação como técnico. Me encontrei e estou muito feliz. Faço tudo com prazer e amor. Queria que as pessoas se encontrassem como eu me encontrei como treinador."
Diniz conta que não fez o curso de psicologia com intenção de usar os conceitos na carreira de treinador. Diz que pouco usa o que aprendeu academicamente e que ingressou nessa área como uma chance de também trabalhar. Mas preferiu o futebol.
Diz, inclusive, que a psicologia é usada no futebol de uma maneira errada e teria que ser feita de uma maneira mais ampla e diversificada, e não como uma maneira de motivar um time fraquejado, situação comum quando se requisita um profissional da área.
"Poucos clubes têm psicólogo no trabalho diário. Acho que com o tempo, o profissional pode ganhar espaço. Não acredito muito nisso de ele chegar pra motivar um grupo que não apresenta resultados. É igual tomar remédio pra dor, às vezes diminui, mas não resolve", falou.
"A psicologia tem que ser voltada para o ser humano e depois disso para o resultado. Poucos clubes tem psicólogo no trabalho diário. Acho que com o tempo o profissional pode ganhar espaço. Mas acho que o psicólogo também precisa se preparar para trabalhar com o esporte", finalizou.
Fonte: UOL