É praticamente imperceptível a linha que divide o Poder de Estado e a influência religiosa no Brasil. O conhecido princípio constitucional que determina que o Estado deve ser laico significa que esse mesmo estado não pode exercer qualquer poder religioso e as igrejas, por sua vez, não exerceriam nenhum poder político.Â
Por outro lado é cada vez mais comum a presença de grupos representativos pertencentes a denominações religiosas no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais. Nada mais comum, afinal os integrantes de grupos religiosos representam tão somente uma grande parcela da população que se manifesta seguidora de alguma religião.Â
“A religião tem atuado de forma coesa em torno de questões morais baseadas em princípios religiosos. Isso tem se dado de forma mais organizada, passando a ter mais adeptos no meio social e, consequentemente, na arena eleitoral, devido ao crescimento das Igrejas evangélicas em todo o território nacional e de sua influência na opinião pública”, analisa o cientista político, Victor Sandes.Â
Ele explica também que esses grupos se baseiam em princípios morais para tentar influenciar na aprovação de leis. “Dessa forma, o debate deixa de ser guiado sob a ótica da política pública e dos direitos humanos, passando a ser conduzido somente por fundamentos religiosos”, afirmou.Â
Se adicionarmos a esse ambiente político a pressão exercida por pequenos grupos para que o Estado conceda direitos e promova políticas a seu favor, está completo o clima de tensão dentro das casas legislativas. De um lado, está a fé religiosa que não permite avanços em temas considerados tabus pelas igrejas, e de outro, minorias politizadas que lutam pelos seus direito.Â
Um exemplo atual é a discussão em torno da união homoafetiva, já regulamentada pelo Judiciário, mas que ainda deve render inúmeras discussões dentro do Parlamento. O fato é que a Constituição Federal é clara ao determinar que é vedado ao Estado brasileiro, em todos os níveis, “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar- lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”.
O advogado constitucional Eduardo Belfort explica que é normal o embate dentro das casas legislativas, entre os que creem em determinados dogmas e os que não acreditam e que isso reflete tão somente os antagonismos que existem dentro da própria sociedade. Ele só alerta para a importância de diferenciar o debate legislativo para a norma resultante da discussão.Â
“É preciso distinguir entre o Estado em sua feição administrativa, cujas políticas públicas são incompatíveis com toda a forma de discriminação e cujo discurso deve ser necessariamente laico, e o Estado em sua face legislativa, que deve produzir normas isentas de preconceitos religiosos”, ressaltou.Â
Eduardo Belfort acredita na ponderação de valores para a formulação de normas que atendam à vontade legislativa e garantam políticas de combate à discriminação. “Se a norma legal veicular alguma discriminação odiosa motivada na fé dos indivíduos, o próprio Estado disporá de recursos para a superação e retirada da norma, normalmente mediante provocação do Judiciário. A vontade legislativa, manifestada nas normas que serão produzidas ao termo deste embate, representará tãosomente o resultado dessa ponderação de valores que, ao final, terá refletido os antagonismos que há na própria sociedade”, considerou.
Fonte: Jornal O DIA