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O que o Nordeste precisa aprender com o exemplo das secas em SP?

É preciso haver um projeto de Estado, não só de governos para amenizar os efeitos da estiagem

08/11/2014 | Edivan Araujo
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A seca que atinge a região Sudeste do país, em especial o estado de São Paulo, não é a maior, nem a mais duradoura que já houve no Brasil, mas é sem dúvidas, a que poderia causar mais consequências ao resto da economia do Brasil. No nordeste, a região do semiárido há cerca de 100 anos sofre com a escassez de água. O estado do Piauí, por exemplo, assinou o decreto de situação de emergência em 211 das 224 cidades piauienses. O número equivale a 90% dos municípios.

Para se ter uma ideia, no Piauí as pessoas deixam o campo por conta da seca. Em certos locais, as perdas na agricultura ultrapassam 90%. Cerca de 230 mil pessoas no estado dependem da água que é distribuída pelo Exército. Numa avaliação da Federação dos Trabalhadores em Agricultura com dados de 2013, foi constatado que regiões nas quais os trabalhadores não colheram nada em 2013. As chuvas regulares não atingiam o sertão do Piauí há três anos e cerca de 20 mil cabeças de gado já morreram.
SECA EM SP E AS CONSEQUÊNCIAS PARA O BRASIL
A seca que assola o Sudeste atinge ao menos 133 cidades e vai além dos pesadelos domésticos para seus 27,6 milhões de habitantes. Elas reúnem 23% do PIB brasileiro. A riqueza envolvida corresponde a R$ 946,4 bilhões, a preços de 2011 (último ano com dados detalhados por cidade). Corrigido pela inflação (17,85%), o valor representaria hoje R$ 1,1 trilhão.

A situação em São Paulo é a pior. De seus 645 municípios, 92 (14%) enfrentam algum tipo de dificuldade. É difícil estimar quanto da economia foi afetada pela crise hídrica, mas empresas relatam prejuízos. A UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) havia feito em abril projeção 2,9% menor para a safra 2014/2015 no centro-sul.

O setor têxtil também é atingido. Segundo Rafael Cevone, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção, há unidades inteiras paradas. Para piorar, o preço dos caminhões-pipa dobrou nos últimos meses (de R$ 600 para R$ 1.200 por 10 mil litros).
A MÍDIA A SEU FAVOR
Como citado no início desta matéria, a seca que atinge a região não é a maior, nem a mais duradoura do Brasil, mas é sem sombra de dúvidas a que teve maior repercussão. O estado é o maior do Brasil em vários aspectos, mais populoso e gera as maiores riquezas. Um flagelo como esse não poderia passar despercebido pelos meios de comunicação que se apressaram em fazer especiais sobre o assunto. A pauta tomou conta do Brasil e o tornou o caso ainda maior.

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Também pudera, uma das maiores cidades do mundo não poderia ficar sem água. O resultado foi um verdadeira pressão nos responsáveis, que se apressaram em tentar acalmar os ânimos e buscar soluções urgentes para evitar o pior.

USO DA TECNOLOGIA PARA AMENIZAR A SITUAÇÃO
Na pior estiagem de sua história vivida por São Paulo, tecnologias e peças hidráulicas com foco no melhor desempenho e na sustentabilidade ajudaram a gerenciar a crise e aproveitar melhor os recursos hídricos que ainda restam.

Alguns dos dispositivos mais simples e baratos que ajudaram na economia já são conhecidos. Por R$ 5 a R$ 15, o arejador de torneira é uma peça que pode ser encaixada no bico da torneira para misturar ar ao fluxo de água, aumentando a sensação de volume enquanto reduz a vazão. O grau de economia depende do modelo, mas fabricantes falam em 10% a 50% a menos de água usada na torneira no dia a dia.

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Outra solução que vem se tornando mais comum é a caixa d'água acoplada --aquela na parte de trás do vaso sanitário- com duplo funcionamento. O objetivo é gastar a metade de água da descarga total com o objetivo de despejar apenas urina no esgoto. Se o modelo de vaso sanitário da sua casa tiver sifonagem com 6 litros de água e acionamento na tampa de caixa acoplado, o consumidor precisa instalar apenas o mecanismo de descarga dupla, que custa cerca de R$ 110. Se a válvula for na parede, há kits conversores na faixa dos R$ 180.

ELETRÔNICA BEM UTILIZADA
No entanto, a eletrônica pode ser uma aliada inusitada do consumidor. Em Minas Gerais, o engenheiro Cláudio Orlandi Lasso desenvolveu o Eco Shower, aparelho que traz um controle mais preciso do aquecimento do chuveiro elétrico.

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Como resultado, economiza tanto água quanto energia, pois não é necessário deixar a água escorrer por um minuto para começar a esquentar, como é de praxe nesses chuveiros. O preço é acessível: R$ 128, fora o frete. A redução no consumo de água, segundo o fabricante, é de 40%.

As empresas de equipamentos sanitários ainda investem pouco em produtos que aliam eletrônica à hidráulica. O mais comum é a torneira ativada por sensor de presença, vista na maioria das vezes em shopping centers, prédios administrativos, grandes empresas e outros locais públicos. O custo dessa torneira vai de R$ 280 a R$ 1500.

A Deca já lançou no país alguns exemplos mais sofisticados dessa vertente, como o monocomando para chuveiro Deca Touch, que controla a vazão e limita o tempo de água no banho, via controle remoto; e a torneira com hidrogerador Decalux Save, que usa a água que desce pela pia para alimentar o funcionamento energético da própria torneira. Esses, porém, possuem custos proibitivos para a maioria do público: custam R$ 14 mil e R$ 1,8 mil, respectivamente.

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Há ainda soluções que podem ser compradas no exterior, como o Waterpebble, um tipo de sensor que mede a água gasta durante o banho e avisa quando o usuário extrapolou o limite máximo de água para essa função. Custa US$ 11,95, ou R$ 29, no site Amazon.

ECONOMIA DA INDÚSTRIA
Para clientes empresariais e industriais, a contratação de uma empresa de tratamento e gestão hídrica contribuiu com a redução do consumo. Situada em São Paulo, a consultoria Essencis presta serviços que incluem redução ao máximo do descarte por meio da otimização de processos industriais, redução da relação consumo/custo com água e implantação de sistemas de tratamento de efluentes (resíduos líquidos resultantes de processos industriais).

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O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), sediado em Campinas, também possui uma solução de gestão da água para empresas que permite centralizar dados das faturas de energia elétrica, gerar análises técnico-econômicas e identificar potencial para redução do consumo. O banco Bradesco é um dos clientes.

O QUE A SABESP UTILIZOU?
A Sabesp, por meio de sua assessoria de imprensa, informa que duas de suas principais tecnologias para evitar desperdício na rede hídrica são o Programa de Redução de Perdas, que utiliza tecnologias de detecção acústica de vazamentos não visíveis no subsolo; e o controle da pressão na rede com os chamados Distritos de Medição e Controle -áreas da rede de distribuição nas quais a quantidade de água que entra ou sai é medida, permitindo conhecer o comportamento dos consumos da região.

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MEDIDAS DE DESESPERO
Apesar de descartadas até o momento, a seguir seguem algumas medidas desesperadas para que em ultimo caso sejam adotadas como forma de evitar as consequências da falta de água:

Rodízio de água — A possibilidade de um rodízio do abastecimento de água tem sido descartada pelas autoridades. Na visão dos especialistas, porém, caso a torneira seque antes que a água do volume morto entre no cano ou a água extraída dele não seja suficiente para abastecer a região até que as chuvas encham o reservatório novamente, a medida pode ser inevitável.

Redução da perda de água tratada — A perda de água tratada em São Paulo está em torno de 25%. Apesar de ser melhor do que a média brasileira — cerca de 40% — o índice ainda é considerado bem longe do ideal. Parte dessa perda se deve a vazamentos de tubulação, que muitas vezes acumulam décadas de uso, prejudicando o sistema.

Mudança de hábitos culturais — Pensar que São Paulo é uma região com grande disponibilidade de recursos hídricos é um erro comum entre seus habitantes. Apesar de o Brasil deter 12% das reservas de água doce do planeta, a maior parte desses recursos encontra-se na região Norte do país.

Despoluição dos rios Tietê e Pinheiros — Despoluir e utilizar as águas desses dois rios da região metropolitana não é, até o momento, uma opção considerada viável pelos especialistas. Já existe, porém, o Sistema Alto Tietê, que capta água perto da cabeceira do rio, com melhor qualidade, que abastece a zona Leste de São Paulo e municípios como Mogi das Cruzes, Poá e Suzano.

Aquífero Guarani — O geólogo uruguaio Danilo Anton propôs o nome Aquífero Guarani para a grande quantidade de água subterrânea que identificou na década de 1990, abrangendo partes dos territórios do Uruguai, Argentina, Paraguai e principalmente Brasil, com uma extensão total de 1.182.000 quilômetros quadrados. Algumas cidades do interior de São Paulo, como Ribeirão Preto e São Carlos, se beneficiam dessa fonte, mas ela é inviável para os moradores da metrópole, que está a mais de 200 quilômetros do ponto onde é possível captar água.

Construção de um novo reservatório, ou transposição da água de outros rios — Resolver o problema com grandes obras leva tempo e demanda um investimento alto. Ações como tratar o esgoto da população que vive próximo dos mananciais e proteger as áreas verdes restantes ao redor deles são essenciais para manter a qualidade da água.

Reúso — Os especialistas ouvidos pelo site de VEJA são unânimes: o reúso da água é a melhor opção para resolver a crise hídrica. A técnica consiste em recolher água que já foi usada e utilizá-la novamente. Há diferentes tipos de reúso. O método mais simples é tratar a água que escorre pelo ralo do chuveiro ou da máquina de lavar, por exemplo, e destiná-la para fins não potáveis, como limpeza de pisos, irrigação de áreas verdes ou fontes decorativas.

PIAUÍ VIVE DE MEDIDAS PALIATIVAS
O que se percebe são apenas medidas paliativas para amenizar os efeitos. No estado 94 são abastecidas por carros pipas mantidos com recursos da Defesa Civil. Em 76 deles também há atuação do Exército. Segundo a Secretaria de Defesa Civil seriam necessários R$ 2,2 milhões por mês para manter o abastecimento que a partir de agora será custeado apenas com metade destes recursos. Além disso, a instalação de cisternas garantem água por um período.

O agricultor piauiense sofre com mais um ano de seca. Atualmente, cerca de 150 mil famílias convivem com a falta de ração para os animais, falta de água para o consumo próprio e rebanhos, e, consequentemente, com prejuízos na agricultura familiar. O estado vive o terceiro ano consecutivo de umas das piores secas do Nordeste do semiárido. Em 2014 o problema foi mais grave porque os açudes e barragens ficaram sem água.

O QUE O NORDESTE PRECISA APRENDER COM EXEMPLO DE SÃO PAULO?
Já ficou mais do que claro que o nordestino teve que aprender a conviver com a seca, apesar de esta ser uma lastimável realidade. No caso de São Paulo ficou entendido que é impossível evitar estes problemas e o melhor a fazer é tomar medidas de precaução. Mas não se aplica às secas no Nordeste. Um editorial de O Globo mostra o que há muito tempo deveria ser feito: A esta altura, não resta mesmo muito mais a fazer além de assistir as pessoas. Mas esta seca deveria servir de marco zero no enfrentamento da questão. Já existe conhecimento suficiente para se formular um programa sério, com metas de curto, médio e longo prazos, para enfrentar a seca. Teria, porém, de ser um projeto de Estado, não só de governos”.

Fonte: 180graus

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