O Núcleo de Feminicídio no Piauí foi criado em março de 2015, dias antes ser sancionada a Lei do Feminicí- dio. Desde então, o trabalho de investigação não parou. Somente no ano passado, o Núcleo registrou 24 casos de feminicídio, sendo 17 tentados e sete consumados. Em 2016, o órgão conseguiu identificar 21 casos de feminicídio, sendo 14 tentados e sete consumados.
De acordo com a delegada Anamelka Albuquerque, titular da Deam-Sul, a qualidade das investigações melhorou consideravelmente após a implantação do Núcleo, principalmente porque agora é possível identificar as tentativas de feminicídio e fazer o devido enquadramento.
“Em casos que acontecem longe da Capital, o levantamento preliminar é feito pelo delegado da área. Muitas vezes, ele encaminha o inqué- rito e conseguimos observar que existe uma investigação com ‘lente’ de gênero. Com isso, elaboramos um protocolo específico com base nas diretrizes para investigar, processar e julgar as mortes violentas de mulheres em razão de gênero, e são essas que vão dissipar a prática do homicídio simples para o homicídio qualificado, que é o feminicídio”, explica.
Já Eugênia Villa acrescenta que o Núcleo de Feminicídio é resultado de uma pesquisa feita por ela para sua tese de mestrado. Durante o estudo, verificou-se que a Polícia não investigava os assassinatos de mulheres de maneira específica, constatando a necessidade dessa mudança de paradigma e implantação de um novo desenho institucional.
Essa transformação da cultura organizacional da Polícia Civil refletiu na ampliação da competência do Núcleo de Feminicídio para apuração de casos de vingança pornô, por exemplo, assim como mudança territorial das delegacias especializadas, passando de três para quatro. A partir de uma pesquisa de análise criminal, demonstrou-se que a zona Sul precisava de um atendimento próximo, sobretudo o bairro Angelim.
“Pela primeira vez, fizemos um desenho da circunscrição territorial do atendimento das delegacias da mulher. Essa estatística criminal também vem sendo implantada no recorte gênero. Além das estatísticas de homicídio, roubo, furto, também analisamos a violência doméstica e criamos um mapa. Isso também é inédito”, fala Eugênia Villa.
Plantão de Gênero
A partir disso, percebeuse um diferencial no atendimento noturno das mulheres, vez que a Central de Flagrantes atuava predominantemente sábado e domingo na questão da violência doméstica. “Se o contingente populacional feminino em Teresina é maior do que o masculino, e se esse contingente requer uma política especial, porque que o Estado não garante a essa mulher a segurança que ela precisa? Então, nós implementamos o Plantão de Gênero, único no país. O nosso Plantão não atende só mulheres, no sentido biológico, se estende às mulheres travestis e ao seguimento trans”, enfatiza a delegada Eugênia Villa, acrescentando que o atendimento é estendido para crianças de ambos os sexos
“Muitas vezes, o simples registro de B.O. já inibe a reiteração daquela prática dentro de casa”
Anamelka Albuquerque Cadena, titular de Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam/Sul), trabalha há seis anos à frente de delegacias especializadas no atendimento à mulher e ressalta que os principais avanços da lei dizem respeito às buscas pelas delegacias e a criação de políticas públicas voltadas para as mulheres. A partir do momento que essa vítima de violência procura uma delegacia para registrar o Boletim de Ocorrência e a medida protetiva é expedida, há grandes chances de evitar um feminicídio.
Delegada Anamelka destaca o empoderamento das mulheres em denunciar (Foto: Moura Alves/ O Dia)
“Nós notamos que a mulher que tem a coragem, se empodera para chegar a uma delegacia e consegue fazer isso para reprimir essa prática violenta dentro de casa. Observamos que ela evita que essa gradação negativa ocorra na maioria dos casos. Muitas vezes, o simples registro de B.O., que é um encontro aqui na delegacia quando o agressor é notificado a comparecer antes mesmo da representação criminal, já inibe a reiteração daquela prática dentro de casa. É muito recorrente ouvir isso das vítimas e esse é um caráter muito positivo da lei que conseguimos observar”, afirma.
No âmbito do Piauí, a delegada cita as políticas públicas que estão sendo criadas para combater os crimes de violência doméstica e familiar contra as mulheres, sobretudo com a criação do Núcleo de Feminicídio, único no Brasil especializado na investigação de morte violenta de mulheres em razão do gênero. Outro exemplo relatado por Anamelka Albuquerque é a criação do Plantão de Gênero, que irá fazer todas as autuações em flagrantes referentes à questão de gênero, tratando-se da Lei Maria da Penha ou não.
Entretanto, a delegada acrescenta que é preciso intensificar ainda mais a divulgação da lei, sobretudo para evitar as subnotificações, em especial de violência sexual. Segundo ela, há muitos casos em que as vítimas vão à delegacia, narram as violências que sofreram em casa, mas sucumbem a sexual, exatamente porque as vítimas não conseguem romper essa barreira do silêncio e essa agressão acaba ficando impune.
Por: Isabela Lopes - Jornal O DIA