Um projeto de lei que impede o ensino da disciplina de “ideologia de gênero” foi aprovado por unanimidade, na manhã desta quinta-feira (14), na Câmara dos Vereadores da cidade de Picos. A proposta veta a inserção da suposta disciplina na grade curricular das turmas de ensino fundamental da rede pública e privada no município.
Em entrevista, o autor da proposta, o vereador Francisco das Chagas de Sousa, conhecido como Chaguinha (PTB), informou que a intenção do projeto é “prevenir” que a disciplina seja inserida na grade curricular. “O que a lei diz é que não poderá ser inserido na grade curricular, como não existe a disciplina de ideologia de gênero, a lei é preventiva”, afirma o vereador, explicando que o projeto é resultado da provocação de grupos contrários à “ideologia de gênero”.
De acordo com o vereador, a proposta foi apresentada no último dia 22 de novembro e a primeira votação no plenário foi realizada no dia 30 do mesmo mês. Já a segunda votação, que estava prevista para a última quinta-feira (7), foi adiada para hoje (14), para que houvesse um espaço de discussão entre os movimentos sociais favoráveis e contrários à proposta. Na reunião, realizada nesta segunda-feira (11), participaram membros do Conselho Diocesano, membros da Igreja Assembleia de Deus e da Igreja Batista, bem como dos movimentos de LGBTs, de direitos humanos e professores universitários.
O autor da proposta, o vereador Francisco das Chagas de Sousa, (PTB). (Foto: Reprodução/Picos 40 Graus)
“Eles [a parcela contrária ao projeto] não tiveram interesse em acrescentar nada a lei, nem mesmo discutir a lei, eles queriam que a lei fosse tirada da pauta de votação, mas nós não poderíamos mais fazer isso, tendo em vista ela já ter sido votada uma vez. Ela foi apresentada em uma sessão e na sessão seguinte foi votada por unanimidade”, destaca o vereador Chaguinha.
Apesar da pressão popular, a proposta foi aprovada por unanimidade, com a participação dos 15 vereadores presentes. Com a aprovação, o projeto segue para a sanção do prefeito do município, o padre Valmir. No entanto, de acordo com a assessoria de comunicação da Prefeitura Municipal de Picos, a decisão do prefeito só será feita após o parecer da Procuradoria Geral do Município.
Projeto de lei viola a Constituição, diz OAB/PI
Presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB/PI, a advogada Ana Carolina Magalhães. (Foto: Arquivo O Dia)
“Do ponto de vista jurídico, o texto do projeto de lei ao qual tive acesso tem caráter nitidamente inconstitucional”, é o que diz a presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Piauí (OAB/PI), a advogada Ana Carolina Magalhães. Segundo ela, o projeto de lei aprovado pela Câmara de Vereadores de Picos fere o artigo 206 da Constituição Brasileira, que diz respeito ao “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” no ensino brasileiro.
A advogada explica que a discussão sobre gênero nas escolas pode abrir os horizontes de cada aluna e aluno para uma vida com igualdade entre mulheres e homens, e a proibição da discussão em torno das questões de gênero pode afetar a promoção dos direitos das mulheres e da população LGBT, uma vez que ela enfraquece a discussão de assuntos que são pertinentes no combate à homofobia e a violência de gênero.
“Isso traz consequências diretas no que diz respeito à eliminação de comportamentos machistas, sexistas e LGBTfóbicos”, frisa. Para Ana Carolina Magalhães, o conceito de “ideologia de gênero” é utilizado para incutir medo nas famílias. “Infelizmente, assistimos a um grande retrocesso, pois as discussões e estudos sobre gênero não objetivam interferir na orientação sexual ou expressão de gênero de crianças e adolescentes – isto é uma mentira, mas que foi sendo disseminada através de uma campanha com vídeos, textos e demais artifícios recheados de inverdades”, destaca a pesquisadora.
Ainda de acordo com a presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB, o projeto de lei aprovado nesta quinta-feira proíbe algo que não existe, uma vez que a alusão a “ideologia de gênero” não tem qualquer respaldo científico. “Está proibindo algo que não iria acontecer, pois essa “teoria” não tem qualquer respaldo científico e o que existem, na verdade, são estudos de gênero”, finaliza.
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