Matéria / Geral

Papa Bento XVI morre aos 95 anos

Primeiro papa a renunciar em quase 600 anos, a saúde de Joseph Ratzinger vinha se debilitando nos últimos anos

31/12/2022 | Redação
Por que a saúde frágil do papa emérito Bento 16 traz um dilema ao Vaticano / Foto: PA

O alemão ficará marcado pela decisão surpreendente, em 11 de fevereiro de 2013, de renunciar ao papado. Desde Gregório 12, em 1415, um pontífice não deixava por conta própria a chefia da Igreja Católica.

Jornais italianos disseram, à época, que ele estava enojado com escândalos sexuais e financeiros na alta hierarquia do Vaticano. Mas a versão acabou não se confirmando, o que favoreceu a tese de que ele, enfermo, e três encíclicas depois, estava debilitado pela rotina de quase oito anos de pontificado.

Já sob o título de papa emérito, após a renúncia, Bento 16 passou a ocupar dependências modestas de um mosteiro nos terrenos do Vaticano, de onde saiu poucas vezes, como, a convite do papa Francisco, seu sucessor, para a missa de canonização de João Paulo 2º (1920-2005), a quem ele sucedera em 2005.

Difícil saber até que ponto Joseph Ratzinger, seu nome original, trabalhou para enfraquecer Francisco, bem mais aberto em questões como divórcio ou relacionamento da igreja com pessoas LGBTQIA+.

O papa emérito Bento 16 morreu neste sábado (31), aos 95 anos.

Mas um dos consensos biográficos atribui a Ratzinger erudição e preparo teológico excepcionais. Como papa, quis marcar sua presença pelo combate à relativização dos valores religiosos ou morais.

É provável, no entanto, que passe para a história da Igreja Católica pela gestão marcada por denúncias de pedofilia na instituição, uma bomba de efeito retardado que recebeu dos pontificados anteriores.

Reservado e pouco carismático, Ratzinger, ao sair com a mitra papal do conclave de abril de 2005, sucedeu João Paulo 2º, homem que, em mais de 26 anos de pontificado e viagens a 129 países e regiões autônomas, virou uma estrela pop do catolicismo. Bento 16 visivelmente perdia nessa comparação.

Karol Wojtyla, nome original de João Paulo 2º, polonês discriminado pelo comunismo, dedicou parte de suas energias a minar a legitimidade dos regimes políticos na esfera soviética. E, no embalo, neutralizou o crescimento do pensamento de esquerda dentro da igreja. Para essa tarefa, teve como braço direito o cardeal Ratzinger, seu prefeito da Congregação da Doutrina da Fé (ex-Inquisição).

Com o adversário interno neutralizado –bispos progressistas não se tornaram cardeais, como o brasileiro Helder Câmara–, o jogo político, por assim dizer, automaticamente perdeu importância.
A plataforma de Ratzinger, já como papa, tornou-se mais abstrata para a grande massa de católicos.

Morre Bento 16, o primeiro papa a renunciar em quase 600 anos

Bento 16 faleceu em um antigo convento dentro dos jardins do Vaticano, onde vivia desde 2013 - Tiziana Fabi/AFP/28.set.2011

Bento 16 faleceu em um antigo convento dentro dos jardins do Vaticano, onde vivia desde 2013Imagem: Tiziana Fabi/AFP/28.set.2011

Stella Borges e Filipe Domingues

Colaboração para o UOL, na Cidade do Vaticano, e do UOL, em São Paulo

31/12/2022 06h59Atualizada em 31/12/2022 08h29

 

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Morreu hoje, aos 95 anos, o papa emérito Bento 16. Ele faleceu em um antigo convento dentro dos jardins do Vaticano, onde vivia desde 2013, longe dos holofotes.

5 pontos para entender quem foi Bento 16

  • Primeiro papa a renunciar em quase 600 anos de história da Igreja Católica.
  • Foi papa por apenas 8 anos.
  • Depois de sua decisão, em 2013, recebeu o título de papa emérito.
  • Seu pontificado ficou marcado pela forma como tratou casos de abuso sexual e o chamado escândalo Vatileaks.
  • Ao renunciar, alegou problemas de saúde, mas os reais motivos nunca ficaram claros.

Segundo nota do Vaticano, Bento 16 morreu às 9h34 (5h34 no horário de Brasília). O velório está marcado para 5 de janeiro e será presidido pelo papa Francisco, seu sucessor.

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Na quarta-feira (28), Francisco disse que Bento 16 estava "muito doente" e pediu que a Igreja rezasse por ele. Mais tarde, o Vaticano afirmou em um comunicado que ele havia sofrido uma "piora" repentina de sua saúde e estava recebendo atenção médica constante.

No último vídeo dele, divulgado pelo Vaticano em agosto por ocasião da tradicional visita dos novos cardeais, Bento 16 apareceu magro e debilitado, com um aparelho auditivo, incapaz de falar.

Joseph Ratzinger nasceu na Alemanha no dia 16 de abril de 1927.

Carreira como teólogo

Joseph Ratzinger (à esquerda), então professor de teologia, com o cardeal Joseph Frings, em foto de janeiro de 1962 - Handout/Erzbistum Muenchen Und Freisign/AFP - Handout/Erzbistum Muenchen Und Freisign/AFP

Joseph Ratzinger (à esquerda), então professor de teologia, com o cardeal Joseph Frings, em foto de janeiro de 1962

Imagem: Handout/Erzbistum Muenchen Und Freisign/AFP

  • Entrou para o seminário aos 12 anos.
  • Na adolescência, estudou grego e latim, e mais tarde se doutorou em teologia pela Universidade de Munique.
  • Foi professor de Teologia durante 25 anos na Alemanha, antes de ser nomeado arcebispo de Munique.
  • Em seguida virou o guardião do dogma da Igreja Católica durante outros 25 anos em Roma.

Foi escolhido papa em abril de 2005, aos 78 anos, para suceder João Paulo 2º (1920-2005), um dos pontífices mais populares da história.

Joseph Ratzinger em sua primeira aparição ao público já como papa Bento 16, na praça São Pedro, no Vaticano, em abril de 2005 - Max Rossi/Reuters - Max Rossi/Reuters

Joseph Ratzinger em sua primeira aparição ao público já como papa Bento 16, na praça São Pedro, no Vaticano, em abril de 2005

Bento 16 procurou se contrapor à secularização e à perda do conteúdo espiritual no século 21. Ou, de modo mais radical, disse valorizar a oração à militância, o que os vaticanistas apontaram como ideia bastante conservadora, a exemplo, aliás, das que prevaleceram nas últimas décadas na alta hierarquia da igreja. O último que escapou delas foi João 23, o papa do Concílio Vaticano 2º, que morreu em 1963.

Dentro da mais absoluta ortodoxia, Bento 16 não fez concessões aos preservativos como instrumento de combate à Aids. A eles contrapunha a abstinência, a fidelidade conjugal e ações contra a pobreza.

Não abriu mão da proibição de ordenação de mulheres –um tópico já meio envelhecido entre as feministas católicas– e criticou os homossexuais. Mesmo se opondo ao preconceito homofóbico, afirmou em 2008 que a relativização da diferença entre homens e mulheres era uma "violação da ordem natural" e que a igreja deveria "proteger a humanidade de sua autodestruição".

Mas as acusações de pedofilia contra religiosos eclipsaram esses outros aspectos. Os primeiros sintomas de um grande problema cresceram em 1991, quando Ratzinger sugeriu a João Paulo que tirasse das dioceses e centralizasse no Vaticano as apurações, na alçada da Congregação da Doutrina da Fé.

Ele queria agilizar a punição de padres faltosos. Um deles, o mexicano Marcial Degollado, fundador da conservadora Legião de Cristo, teve seus privilégios suspensos só em 2010. No último ano do pontificado de João Paulo 2º, um relatório da conferência episcopal americana citava mais de 10 mil denúncias contra 4.300 padres, que em 81% dos casos vitimaram adolescentes do sexo masculino.

Já sob Bento 16, escândalos eclodiam nos EUA, no Canadá, na Irlanda, na Bélgica e na Alemanha, gerando ações criminais em tribunais civis e processos de indenização. Nenhum vaticanista acusaria Ratzinger de omissão. O que eles insinuam, porém, é que o papa emérito, quando cardeal, tinha outras prioridades, sobretudo o enquadramento de teólogos e padres seduzidos pela teologia da libertação.

Bento 16 também acreditava não precisar se pautar pela mídia. Com os casos de pedofilia nas manchetes dos jornais, suas respostas foram sempre morosas e esparsas, levando a uma impressão de inatividade.

Nascido em 1927 na cidadezinha bávara de Marktl, Ratzinger era filho de um policial bastante católico. Aos 14 anos foi inscrito na Juventude de Hitler, conforme determinava uma lei de 1939.
Seus biógrafos mencionam sua reação de horror quando um primo dele, com síndrome de Down, foi preso e morto, em nome da "purificação da raça". Recrutado para os grupos de defesa antiaérea, chegou a ser prisioneiro de guerra, antes de voltar ao seminário e concluir sua formação. Foi ordenado padre em junho de 1951. Permaneceu apenas alguns meses como titular de uma paróquia. Estimulado por uma igreja que valorizava quadros intelectualizados, exerceu sua vocação para a vida acadêmica.

Lecionou teologia nas universidades de Bonn, Tübingen –na qual se aproximou do teólogo de esquerda Hans Küng, de quem se afastou no final dos anos 1960– e Regensburgo. Em 1977, já como bispo, foi nomeado por Paulo 6º arcebispo de Munique e, no mesmo ano, cardeal. Ao se tornar o 256º papa, aos 78 anos, já era o mais antigo cardeal da Cúria Romana, com 24 anos como auxiliar direto de seu predecessor.

Fonte: Folhapress/João Batista Natali

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