O número de boletins de ocorrência sobre o crime de maus-tratos contra animais no Piauí aumentou 98% nos últimos quatro anos. Segundo levantamento da Delegacia Especializada de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), em 2020 foram registrados 108 B.O.s, enquanto no ano passado foram contabilizados 214 registros.
Quantidade de boletins de ocorrência de 2020 a 2023:
Outro dado que também cresceu nesse período foram os inquéritos de maus-tratos a cães e gatos. Em 2020, a DPMA investigou 13 casos, e em 2023 foram 40, um aumento de 207%.
Em entrevista ao Cidadeverde.com, o delegado titular da DPMA, Willame Moraes Costa, destaca que ainda não há uma definição sobre o que caracteriza o crime de maus-tratos e por isso as ocorrências aumentaram consideravelmente nos últimos anos.
“Nosso grande problema aqui é a questão de conscientização ou de conhecimento das pessoas sobre o que é maus-tratos. Nem tudo que eu acho que é maus-tratos é de fato maus-tratos. Um exemplo: a pessoa acorrentar o animal é maus tratos? Pode ser porque o que a jurisprudência tem decidido a respeito do acorrentamento é que esse acorrentamento não pode ser prolongado, ser ininterrupto. Você pode prender o animal para fazer a limpeza da casa, ir até o supermercado, deixar os filhos na escola, receber alguém, o que eu não posso é deixar aquele animal preso quatro, cinco, seis, um mês preso; isso eu não posso porque eu reduzo a sua locomoção, aí vai caracterizar crime”, explica.
Já a quantidade de Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO) diminuiu nesses quatro anos. Ainda de acordo com a DPMA, em 2020 foram 34 TCOs, e no ano passado apenas dois. Willame Moraes ressalta também que de todas as denúncias recebidas na delegacia, mais de 70% são infrações administrativas, ou seja, aplicadas apenas multas.
“Então, das denúncias que nós recebemos, mais de 70% são de fatos que são apenas uma mera irregularidade administrativa. As questões do meio ambiente envolvem tanto a questão criminal, que se caracteriza como crime, quanto a questão administrativa por parte dos auditores municipais e estaduais. Então, acorrentar o animal por um tempo que não seja ininterrupto nem prolongado pode resultar em mera infração administrativa, sujeitando a pessoa a multa, mas isso não é uma questão de polícia", pontua.
O que diz a lei
Fotos: Renato Andrade/Cidadeverde.com
Sede da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA)
No Brasil, foi sancionada a lei 9.605/98 em 1998 com as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Em 2020, com a aprovação da lei 14.064/20, houve o aumento da pena de maus-tratos com reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda, quando se tratar de cão ou gato.
Porém, o delegado Willame Moraes destaca que já existe uma campanha para que não haja diferenciação das espécies de animais em relação à punição do crime.
“A lei trata determinados animais de forma diferenciada, ela protege mais determinados animais e outros não. A lei diz que maltratar animais, sem mencionar qual espécie, vai abrir apenas um processo de menor potencial ofensivo, que nós chamamos de TCO, Termo Circunstanciado de Ocorrência, cuja pena máxima não passa de um ano, mas nós temos cães e gatos que, se sofrerem maus tratos, a pena vai de dois a cinco anos, e existe uma corrente hoje, uma propaganda a nível nacional que quer essa igualdade dos animais no tratamento das penas”, destaca.
O titular da DPMA também divulgou ao Cidadeverde.com que foi formado um grupo de trabalho com órgãos da Secretaria de Segurança Pública do Piauí e entidades engajadas com o meio ambiente e causas animais para discutir sobre a estrutura, contingente e atribuições que as instituições de combate a esses crimes precisam ter. Uma reunião deve ser realizada neste mês de fevereiro para debater o assunto.
"Nós formamos um grupo de trabalho, a Secretaria de Segurança Pública juntamente com a Delegacia Especializada de Proteção ao Meio Ambiente, Delegacia Geral, Perícia Técnica, juntamente com os bombeiros, o Batalhão de Proteção ao Meio Ambiente e também com os especialistas da SSP, para ver qual estrutura tem que ter os órgãos de combate aos crimes ambientais, qual contingente, a questão de cães e gatos, aonde custodiar esses animais, quem sustentar, quem vai cuidar desses animais. Tudo isso está sendo visto nesse grupo de trabalho, inclusive deve ter uma reunião agora em fevereiro com todos os entes que se preocupam com o meio ambiente para discutir o relatório”, informa.
Ele revela que a estrutura atual da delegacia especializada é insuficiente para a demanda de ocorrências em todo o estado. “A DPMA abrange todo o estado do Piauí e apura todos os crimes contra a natureza, o meio ambiente, tanto da fauna como da flora, só que todo o contingente nosso para o tamanho do território e demanda é muito pouco, e a gente tem uma deficiência muito séria de meios materiais”, ressalta.
Como denunciar?
Delegado Willame Moraes Costa
A denúncia do crime de maus-tratos pode ser realizada na própria Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente ou no site da Polícia Civil do Piauí na aba Delegacia Virtual, ou ainda em qualquer delegacia próxima à residência do denunciante.
“A pessoa pode vir presencialmente na delegacia para ser atendida, e o policial vai escutar o relato, fazer algumas indagações para saber se enquadra em crimes contra a natureza. Pode fazer através da Delegacia Virtual no site da Polícia Civil: pc.pi.gov.br. Tem lá uma página chamada Delegacia Virtual e ela também pode fazer denúncia em qualquer delegacia próxima da sua residência”, explica o delegado.
Ele conta ainda que geralmente são os protetores de animais que comumente estão denunciando o crime. “Nós temos protetores que comumente denunciam crimes de maus-tratos. Temos as pessoas que têm organizações não governamentais que também fazem as denúncias e temos a população, vizinhos, pessoas que passam na rua e veem animais com lesões e vêm nos comunicar”, diz.
Sobre a perspectiva de redução e prevenção do crime de maus-tratos a animais, o delegado Willame Moraes Costa destaca que é necessário tratar o tema através da educação e tornar-se uma política de estado.
“Se você quer evitar o crime, você tem que prevenir esse crime. Então, a melhor forma de prevenção é a educação, mas isso é uma questão de estado. Tem que ser uma política de estado que passe de governo para governo, e a melhor forma de educar são as crianças, os adolescentes, através de campanhas publicitárias, de disciplinas na grade curricular nas escolas. Aí sim nós conseguiríamos isso”, finaliza o titular da DPMA, delegado Willame Moraes.
Fonte: Cidadeverde