A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou nesta terça-feira (25) um pedido de liberdade do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu. Condenado duas vezes pela Lava Jato, o petista está preso em Curitiba desde agosto de 2015. A votação terminou em 3 a 2. Os ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski votaram pela soltura e o relator Edson Fachin e o ministro Celso de Mello votaram contra. O desempate veio no voto de Gilmar Mendes pela liberdade do petista.
O pedido de liberdade apresentado pela defesa de Dirceu é para revogar a ordem de prisão decretada pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância da Justiça Federal. A mesma solicitação já foi negada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em novembro do ano passado, o ministro Teori Zavascki, que era relator da Lava Jato no STF, já havia negado a soltura do ex-chefe da Casa Civil.
Em duas sentenças de Sérgio Moro, Dirceu foi condenado a mais de 31 anos de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O entendimento do STF, no entanto, é que a prisão definitiva só é possível após a condenação em segunda instância.
Dirceu cumpre prisão preventiva (sem prazo determinado) desde agosto de 2015 com a alegação de que havia risco de fuga, de prejuízo às investigações e de cometimento de novos crimes.
Como votaram os ministros do STF?
Edson Fachin - pela manutenção da prisão
Sucessor de Teori na relatoria do caso no Supremo, o ministro Fachin se manifestou nesta terça favorável à permanência de Dirceu no Complexo Médico-Penal (CMP) de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba.
Ao votar contra a soltura do petista, o magistrado disse que estava levando em conta a “gravidade concreta” dos crimes imputados a Dirceu e também sua “reiteração delituosa”. Ele também entendeu haver risco de cometimento de novos crimes.
Fachin lembrou da ordem de prisão proferida por Sérgio Moro, que enxergava “indícios de profissionalismo e habitualidade” na prática de crimes pelo ex-ministro. Assim, a prisão seria necessária para “manutenção da ordem pública”, de modo a evitar novos delitos.
Depois, o ministro citou atos já imputados ao ex-ministro.
“A sentença condenatória reconhece que o paciente teria cometido 5 atos de corrupção passiva, 8 vezes lavagem de dinheiro, bem como a realização de pertinência a organização criminosa. Esse edito sugere a significativa pluralidade de eventos criminosos, indicando que sua atuação não pode constituir fato isolado”, registrou Fachin.
O ministro também chamou a atenção para o suposto pertencimento de Dirceu a organização criminosa, o que segundo ele, é caracterizada por “estabilidade e permanência”. “A envergadura lesiva dos delitos contra a administração pública também admite a medida extrema”, afirmou o ministro, falando da “gravidade do crime” de que é acusado Dirceu.
Ele lembrou que o ex-ministro é suspeito de receber R$ 10 milhões da construtora Engevix em razão de contrato com a Petrobras. “O montante não apenas impressiona. São cifras que sinalizam a gravidade concreta das imputações. A imensa lucratividade fortalece em tese a necessidade de medida cautelar”, disse o ministro.
Por fim, o ministro rebateu o argumento da defesa de “excesso de prazo” na prisão preventiva. Ele disse que a complexidade do caso justifica a medida. “Estamos aqui nesse caso a tratar da singularidade do colarinho branco”, afirmou.
Dias Toffoli - pela soltura
O primeiro a votar pela soltura foi Dias Toffoli, chamando a atenção para o tempo já decorrido da prisão preventiva – decretada antes da condenação – que já dura 1 ano e 8 meses. Argumentou depois que falta “atualidade” dos atos imputados a Dirceu, lembrando que o último pagamento que recebeu ocorreu 1 anos antes de sua prisão.
“Não há sequer a contemporaneidade, como o potencial delitivo desse grupo não está mais no poder”, disse o ministro. Toffoli também chamou a atenção para a “presunção de inocência” e que Dirceu ainda não foi condenado pela segunda instância, que pode chegar a absolvê-lo.
“Estamos a julgar a necessidade da prisão preventiva apenas com decisão em primeira instância. O TRF-4 [segunda instância] já deu provimento absolvendo réu que fora condenado pela 13ª Vara [de Sérgio Moro] que permanecera preso por muitos anos, por muito tempo. Já se absolveu e não é um caso único”, afirmou o ministro.
O ministro considerou que ainda existe risco na liberdade, mas que no caso, pode ser mitigado pela aplicação de medidas cautelares, como monitoramento eletrônico e recolhimento domiciliar, que poderiam ser fixadas pelo juiz Sérgio Moro.
Ricardo Lewandowski - pela soltura
Segundo a votar pela soltura, Ricardo Lewandowski também entendeu que medidas do tipo seriam “adequadas e suficientes” para garantir que Dirceu não volte a delinquir, preservando assim, sua presunção de inocência.
“Não se pode atribuir ao paciente a demora em seu julgamento, nem lhe negar o direito de defesa que a lei lhe assegura [...] A verdade é que já se vão quase dois anos de prisão cautelar, sem que haja sequer previsão de julgamento pelo TRF-4, não se podendo impor ao paciente que aguarde preso indefinidamente pela decisão de segunda instância”, disse o ministro.
Ao final, o ministro sugeriu que o STF determine que o TRF-4 julgue com celeridade o recurso de Dirceu, para uma decisão em segunda instância que permita a prisão ou absolva Dirceu.
Celso de Mello – pela manutenção da prisão
O ministro Celso de Mello concordou com o relator. Para ele, os valores apontados nos desvios e o fato de o crime ter continuado por tantos anos justifica a necessidade da prisão para proteger a ordem pública e a sociedade.
“Magnitude dos valores desviados torna isso isento de dúvida, a presença da garantia da ordem pública como fundamental da medida acauteladora. Fato inquestionável, não fosse ação rigorosa, mas necessária do Judiciário, é provável que corrupção e lavagem de dinheiro estivesse perdurando até o momento. A prisão cautelar justifica para interromper (crimes) e proteger sociedade de sua reiteração."
Celso de Mello leu trecho da decisão de Sérgio Moro, que afirmou que Dirceu continuou cometendo crimes após ser julgado pelo Supremo no processo do mensalão do PT.
O ministro afirmou, no início de seu voto, que o grupo de José Dirceu atuou com objetivo de capturar o Estado e colocar o interesse público em segundo lugar.
Nova acusação
Mais cedo nesta terça, os procuradores da República que atuam na força-tarefa da Lava Jato em Curitiba anteciparam uma nova denúncia contra Dirceu.
O Ministério Público Federal (MPF) acusou o ex-ministro de ter recebido R$ 2,4 milhões em propina antes, durante e depois do julgamento do mensalão do PT.
Em entrevista coletiva concedida na capital paranaense para apresentar a nova denúncia contra Dirceu, os procuradores da República mostraram que os últimos depósitos de propina ocorreram depois da prisão de Dirceu, ordenada pelo Supremo por conta da condenação no julgamento do mensalão do PT, em 2013.
De acordo com o MPF, os pagamentos ao ex-ministro só cessaram com a prisão do dono da construtora UTC, Ricardo Pessoa, em 2014. Um dos delatores da Lava Jato, o empresário contou que Dirceu ofereceu ajuda para inserir a empreiteira em países da América Latina e na Espanha porque tinha acesso político à cúpula dos governos.
O que diz a defesa?
No pedido de liberdade, a defesa de José Dirceu negou que vários pagamentos que sua empresa recebeu de empreiteiras fossem propina. Alegou que mesmo aquelas realizadas após o julgamento do mensalão, pelo qual foi condenado, se referiam a serviços de consultoria prestados anteriormente.
“Toda vez que saio daquela prisão gélida de Curitiba, me pergunto: Qual a razão desse homem de 70 anos estar preso há aproximadamente 2 anos?”, disse o advogado Roberto Podval, lembrando de que, quando foi preso, aguardou em casa, sem apresentar qualquer risco de fuga.
Sobre a possibilidade de atrapalhar as investigações, disse que sai vida já foi “devassada” e que a coleta de provas nas ações que responde já foi encerrada.
Também negou que tenha voltado a delinquir após sua condenação no mensalão, citando uma decisão do próprio ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que concedeu perdão da pena de Dirceu no caso por ausência de falta grave.
“A prisão do José Dirceu, a condenação, o transito em julgado na ação 470 foi suficiente para cessar qualquer ato criminoso que porventura possa ter ocorrido. A força política que poderia ter José Dirceu enquanto o PT estava no poder é hoje inexistente. Hoje é um homem com mais de 70 anos absolutamente fora de qualquer nível de poder. Imaginar que pudesse ter qualquer influência hoje, dada a atual conjuntura de poder, me parece absolutamente impossível”, afirmou Podval.
Por fim, afirmou que a apresentação de uma nova denúncia nesta terça pelo Ministério Público seja “talvez” uma tentativa de intimidar a defesa e o próprio STF. Segundo o advogado, os procuradores já tinham as informações sobre o caso há pelo menos 2 anos, mas decidiram apresentar a nova acusação justamente na data de julgamento do habeas corpus.
“O poder do MP é tão grande que não se pode trabalhar com essa irresponsabilidade. Não é ético, correto e leal”, disse Podval.
O que diz o Ministério Público?
Representando o Ministério Público, favorável à prisão, o subprocurador-geral da República Edson Oliveira de Almeida lembrou da acusação de que José Dirceu tinha ascendência política sobre o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, citando diversos pagamentos de empreiteiras supostamente beneficiadas em contratos com a diretoria.
“São 15 eventos desse tipo de 2009 a 2014, mostrando a continuidade da corrupção”, afirmou. Ele argumentou que, mesmo com o entendimento de que a prisão só seja possível após uma condenação em segunda instância, Dirceu deve continuar na cadeia pela sua “periculosidade”.
“A presunção de inocência fica fragilizada pela sentença condenatória e a prisão preventiva necessária pela periculosidade do paciente, que continua durante e mesmo após a condenação no mensalão pelo STF. Ele continua praticando [crimes] pela certeza de impunidade”, completou o subprocurador.
Ele disse haver jurisprudência consolidada na Corte de que não é razoável supor que baste uma condenação em primeira instância para fazer cessar a prisão preventiva. “Tudo conduz à necessidade de manutenção dessa prisão”, repetindo os riscos de uma eventual soltura.
Fonte: G1