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CIDADE DO PI pode ser engolida por uma cratera. Entenda!

09/04/2013 |
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Pela janela da caminhonete, que avança aos solavancos pela Zona Rural de Gilbués (797 Km ao Sul de Teresina) a visão da primeira voçoroca impressiona. A medida em que seguimos pela estrada de terra, novos e maiores buracos são avistados, ameaçando propriedades rurais, rede de iluminação, igrejas e cemitérios, em localidades como a de Vaqueta, a 10 Km da sede do Município, que sofre com a erosão causada pela ação do homem e das chuvas.

A paisagem, que remete a cenas de filmes de ficção científica quando são mostrados outros planetas desabitados e devastados; proporciona uma sensação de desconforto e apreensão para quem não está acostumado com a voçorocas, que chegam a 2 quilômetros de extensão e 30 metros de profundidade. A impressão que se tem é que o Município vai ser engolido por essas grandes crateras causadas pela erosão do solo. "Pro lado que você quiser olhar tem buraco", disse, referindo-se às voçorocas, o engenheiro agrônomo e doutor pela Universidade de São Paulo (USP) Milcíades Gadelha de Lima, que acompanhou a equipe do Diário do Nordeste na visita a Gilbués, juntamente com mais dois pesquisadores, o também engenheiro agrônomo e doutor em Ciência do Solo pela USP, Adeodato Ari Cavalcante Salviano; e Paulo Folha Sousa, especialista em Desenvolvimento Sustentável para o Semiárido.

De acordo com os pesquisadores da Fundação Agente para o Desenvolvimento do Agronegócio e Meio Ambiente, organização que estuda o problema da desertificação e desenvolve projetos na região, essa impressão de que Gilbués vai desaparecer ou virar pó não é real, como já foi previsto em um passado recente. Contudo, advertem que a situação ali é preocupante e exige medidas urgentes das autoridades.

O município tem 1.760,99 km² de área degradada, o que equivale a 49,32% do território. Além de Gilbués, cidades como São Gonçalo do Gurguéia e Redenção do Gurguéia, que também fazem parte do que foi definido como Núcleo de Desertificação de Gilbués (NDG), tem cerca da metade de suas terras degradadas e em avançado estado de desertificação. Em Barreiras do Piauí, são 1.246,46 Km² de erosão e voçorocas, ou seja, mais de 60% de terras desertificadas.

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DESERTO MAIOR
Ocupando uma faixa de transição entre o clima semiárido e o subúmido seco, o Núcleo de Desertificação de Gilbués, o maior do País, tem características que o diferenciam dos outros núcleos do Semiárido, como o solo, identificado como latossolo, argiloso, oriundo de alterações de arenitos, calcários e silititos; e um índice de precipitação anual que varia de 900 a 1.000 milímetros anuais.

Mas o que causou essa degradação e vem agravando a situação do solo nessa região? Estudando e desenvolvendo projetos desde 1997 na região, o professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Adeodato Ari Cavalcante Salviano, também conhecido como professor Voçoroca, afirma que as principais causas do processo de desertificação em Gilbués e municípios vizinhos foram o solo frágil e a chuva com energia cinética duas vezes maior do que em outras regiões do País.

Além desses fatores, a agricultura inadequada, associada ao processo avançado de desmatamento e o superpastoreio (grande presença de gado na terra) contribuíram fatalmente para a degradação. "Há uma tendência natural do solo daqui, que é frágil, também temos gado pastando em grande quantidade e uma região em que se concentra chuva com muita energia cinética. O tamanho e a velocidade da gota são mais intensos do que em outros locais. Se não desmatar, se tiver a vegetação nativa... Mas se começou a desmatar e o solo ficou sem coesão", explicou.

Em 2011, pesquisadores da Universidade de Campinas localizaram, em Gilbués, evidências de uma cratera que pode ter sido causada pela queda de um meteorito há 65 milhões de anos. O impacto pode ter sido responsável pela transformação da rocha no solo frágil que é encontrado, hoje, no local.

Sobre a hipótese de que a extração de diamante realizada, principalmente, nas décadas de 1930 e 1940 seria a principal responsável pelo avançado estado de degradação do solo, Salviano afirma que somente 1% do território onde está situado o Núcleo de Desertificação de Gilbués tem registro de mineração. "A área de (exploração do) diamante é pequena, não chega a 100 hectares", disse.

Atualmente, existem dois garimpos ativos na região, na localidade de Boqueirão e no Município de Monte Alegre. Segundo Paulo Folha, a extração de diamante trouxe problemas para o solo somente nas regiões onde o garimpo existia, nos demais locais, a ação humana, as chuvas e a fragilidade do solo foram os fatores principais.

A degradação tem causado sofrimento à agricultora e dona de casa Maria Expedita Batista, 74. Ela mora há 54 anos na localidade de Canto Roçado, situada a cerca de 10Km do Centro de Gilbués, com o marido João Tavares de Lira, 87. "Como é que não sofre? Quando se fala em degradação, degrada a terra e degrada a vida da gente, não é isso mesmo?", questionou.

E dona Expedita não reluta em fazer autocrítica sobre a situação em que o solo se encontra. "Aqui é assim, quando não era o lajeiro, era a erosão. A água bate e leva tudo. Nós mesmos somos os condutores das erosões. Nós achava (sic) que essa erosão era do tempo. Como não temos aquela sabedoria, fizemos tudo errado, derrubamos até lá perto do Riacho, queimamos. Mas hoje, não, a gente está aprendendo a trabalhar", disse.

DESERTO "RENASCE" APÓS TENTATIVA DE CONTROLE
Cinquenta e três hectares cheios de esperança, pesquisa, trabalho e convicção de que a situação da degradação do solo no Núcleo de Desertificação de Gilbués (NDG) pode ser revertida. A área, que equivale a aproximadamente 53 campos de futebol, foi comprada, em 2003, pela Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí (Semar-PI) pela "bagatela" de R$ 2,4 mil. Desde 2004, ali foi instalado o Núcleo de Pesquisa e Recuperação de Áreas Degradadas e Combate à Desertificação (Nuperade) a partir de uma proposta da Fundação Agente.

Antes tomado por voçorocas e com solo improdutivo, o terreno onde funciona o Nuperade, hoje tem horta comunitária irrigada, um viveiro com capacidade de produzir 60 mil mudas, e o melhor, árvores frutíferas e plantas por todo o lado. Ainda é possível perceber os estragos que o processo erosivo fez durante décadas no solo, mas o fim do pastoreio, o seccionamento de voçorocas para barrar a água e a implantação de técnicas de manejo adequadas transformaram o cenário da região.

O Nuperade é aberto a pesquisadores do Brasil e do exterior para realização de estudos sobre o processo de degradação do solo. Com o decorrer dos anos, os experimentos foram sendo aplicados em outras áreas e estão mudando a realidade de agricultores da região de Gilbués. Com recursos do Programa de Revitalização da Bacia do Parnaíba, financiado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) firmou convênio com a Fundação Agente para implantação do Projeto de Revitalização da Microbacia do Riacho Sucuruiú, no município de Gilbués.

O Programa, coordenado pelos engenheiros agrônomos Adeodato Salviano Ari Cavalcante, Milcíades Gadelha de Lima e Francisco Ferreira Santana deve ser concluído até setembro deste ano. A recuperação de áreas degradadas, implantação de estradas ecológicas e recomposição de mata ciliar são algumas das ações desenvolvidas.

A reportagem também visitou plantações de feijão e milho em terraço de base larga. Segundo o professor Milcíades Gadelha, o produtor cede a área e o trabalho é feito pelos técnicos da Fundação Agente. O lucro obtido com a produção fica com os donos das terras. Segundo Adeodato Salviano, o solo da região de Gilbués, de um modo geral, é extremamente rico, com dez a 20 vezes o teor de nutrientes que um solo médio de outras áreas do Piauí. E o custo para recuperar a terra da erosão, em área de malhada, por exemplo, chega a, no máximo, R$ 2 mil / hectare.

O engenheiro agrônomo Paulo Folha, da Fundação Agente, mostra uma das ações de recuperação da microbacia do Riacho Sucuruiú, em Gilbués, como a plantação de feijão com uma técnica de terraço de base larga. A terra, manejada corretamente para evitar a erosão, torna-se produtiva novamente.

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Engenheiro Paulo Folha, observando a plantação em Gilbués, no Piauí

SURPRESA, APREENSÃO E ESPERANÇA EM GILBUÉS
Estigmatizada pelo fantasma da desertificação, a Cidade de Gilbués resiste e já trilha um caminho além das voçorocas que margeiam o Riacho"

Foram quatro meses de pesquisas e contatos telefônicos com pesquisadores e ambientalistas da região antes de encontrar as "famosas" voçorocas de terra vermelha de Gilbués. Sem dúvida, os "buracos" foram o ponto alto da viagem de 3.387 Km, por três municípios do Ceará e um do Piauí, na qual não faltaram protetor solar, boné e muita disposição.

Depois do assombro inicial pela dimensão do problema, a surpresa se transformou em apreensão e, posteriormente, em esperança de dias melhores para os agricultores e moradores da região do Sudoeste do Piauí, castigada pela erosão.

Acompanhados pelos pesquisadores e engenheiros agrônomos Adeodato Salviano, Milcíades Gadelha e Paulo Folha, conhecemos, em dois dias, parte da realidade que aflige e também motiva a luta dos moradores da bucólica Gilbués. Encontramos pessoas como a agricultora Maria Expedita Batista, que, do alto dos seus 74 anos, ainda "correndo" pelo terreiro em busca do sonho de terra fértil e sem erosão, esbanjava alegria e motivação.

Presenciamos também a serenidade de Manoel Siqueira, 76, que já viu parentes e vizinhos fugirem da terra degradada, na localidade de Vaqueta, e, ainda hoje, luta por dias melhores. Ele acredita que a erosão não foi causada pela ação do ser humano por meio do desmatamento e pecuária.

Assim como o dele, ouvimos relatos de outros moradores que acreditam que a situação da terra tem causas naturais. Muitos não querem ouvir falar em desertificação. Quando são perguntados, simplesmente desconversam ou repetem a história de que "a erosão sempre existiu".

Conhecemos, por outro lado, um grupo de moradores, liderado por Ivete Gomes da Silva Oliveira e Fabriciano da Cunha Corado, que fundou a organização SOS Gilbués, e fez questão de "pedir socorro", avisando ao Brasil e ao mundo, sobre o drama que a cidade, que tem hoje cerca de 12 mil habitantes, enfrentou e ainda enfrenta.

Eles conseguiram chamar a atenção das autoridades e, junto com pesquisadores, conhecedores do solo e do clima da região, como Adeodato Salviano, Milcíades Gadelha e Francisco Ferreira Santana, estão mudando a forma como os visitantes e os nativos se relacionam com Gilbués.

Nativos, como o engenheiro Paulo Folha, com seu jeito simples e fala mansa, nos ensinaram que a maior desertificação de Gilbués é a humana. "Está faltando é gente para tocar a terra. Os meios de recuperar a terra nós temos, não temos mais é gente para fazer o trabalho", disse.

Fonte: Com informações do Diário do Nordeste

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